Exposição
Artistas:
Júlio Pomar / Menez / Sónia Almeida
Curadoria:
Sara Antónia Matos
11.11.2021 // 10.04.2022
Inauguração:
11.11.2021 às 17:00

A exposição “Imagem em Fuga: Júlio Pomar, Menez e Sónia Almeida”, com curadoria de Sara Antónia Matos, dá seguimento ao programa de exposições do Atelier-Museu que, regularmente, procura cruzar a obra de Júlio Pomar com a de outros artistas, de modo a estabelecer novas relações entre a obra do pintor e a contemporaneidade.

Esta exposição pretende pensar o modo como o trabalho de Júlio Pomar se cruza com o trabalho de Menez, com quem manteve uma relação epistolar e artística de grande cumplicidade e admiração, e de uma pintora de uma geração mais nova, Sónia Almeida, para quem o trabalho de Menez foi referência no tempo de faculdade. Em torno da ideia de influência e contaminação em arte (tomando o entendimento desses conceitos como produtivo e não pejorativo), procura explorar-se o modo como as imagens se fixam e simultaneamente nos fogem.

O título, Imagem em fuga, é motivado pelo interesse que Sónia Almeida mostrou na obra de Júlio Pomar, nomeadamente nos painéis do Cinema Batalha de Júlio Pomar, frescos pintados sobre a parede, no final da década de 40, e mandados destruir logo de seguida, por intermédio da PIDE: imagens desaparecidas, apagadas, inacessíveis desde então. Dessas imagens que nos fogem e das quais hoje resta apenas documentação (fotografias, desenhos, projecto e cartas que testemunham a censura a que a obra foi sujeita) nasceram contágios que remanescem agora no projecto de Sónia Almeida para o Atelier-Museu. A peça que a artista desenvolveu integra composições de pintura, realizadas sobre faixas de papel, que se mostram aplicadas sobre prismas de base triangular. Estas são estruturas ou “paredes rotativas”, que podem rodar sobre si, pondo a imagem em movimento, em fuga, em transformação, reclamando uma interação do espectador, exigindo dele um exercício activo na percepção.

O termo Fuga, no contexto da música, é um “estilo de composição contrapontista, polifónica e imitativa, de um tema principal, com origem na música barroca. Na composição musical, o tema, começado e declarado por uma das vozes isoladamente, é repetido por outras vozes que entram sucessivamente, uma a uma, e continuam de maneira entrelaçada a desenvolvê-lo.»

Ora, a música e particularmente o movimento não são alheios aos painéis do Cinema Batalha de Pomar. Esses frescos eram alusivos às festas de S. João, do Porto, e Sónia Almeida faz uma referência a essas festas, ao movimento e à dança a elas inerentes, através de elementos gráficos utilizados pelos coreógrafos na marcação de passos de dança: desenhos de sapatos. A obra ganha deste modo um sentido de movimento, sugerindo rodopios no espaço, e possibilidades de movimento no Atelier-Museu por parte do espectador.

Sónia Almeida apresenta, ainda, uma obra que releva do seu interesse por frisos e painéis, numa peça que realizou para revestir o friso arquitetónico do mezanino do Atelier-Museu, a partir da imagem/ilustração que Júlio Pomar realizou para a capa do livro Bichos Bichinhos e Bicharocos, de Sidónio Muralha, em 1949. Este interesse por painéis não é, de resto, estranho a Júlio Pomar, que tantos fez no âmbito dos trabalhos que realizou, por exemplo, em azulejo, para revestir edifícios, alguns no espaço público, em locais de passagem como a Av. Infante Santo ou a estação do metropolitano do Alto dos Moinhos. Estas obras são maioritariamente observadas em movimento, gerando a sensação de que a imagem está em fuga, que resiste à prisão pelo olhar. Neste campo, também as imagens de Menez têm encontrado acolhimento, tendo a sua obra, as suas imagens, revestido espaços diversos através de painéis de azulejo, mostrando-se um destes, como exemplo, na exposição.

A partir dos frisos e das estruturas rotativas, prismáticas, que Sónia Almeida construiu para esta exposição, no Atelier-Museu estabelece-se ainda uma relação com as pinturas sobre paralelepípedos de Menez. Uma dessas obras de Menez, Objecto (Paralelepípedo), 1969,  plasma uma primeira tentativa de fuga ao plano bidimensional ou ao suporte tradicional da pintura, rebatendo as figuras pelos três planos do volume, desdobrando e diluindo-as pelo espaço. Na exposição, esta peça de Menez, proveniente da colecção da Fundação Calouste Gulbenkian, parece ser a chave para estabelecer a “ponte” entre os dispositivos criados por Sónia Almeida e os painéis do Cinema Batalha de Júlio Pomar, reforçando a sensação de que a imagem, sempre em fuga, não se deixa fixar.

Acerca da possibilidade de manuseamento das suas peças no espaço de exposição, Sónia Almeida refere, numa entrevista, que a possibilidade de virar uma pintura para ver o que está no outro lado da superfície exige e espoleta um exercício de memória sobre a imagem. As duas faces de uma pintura não se podem ver em simultâneo e isto significa que ao virar as faces, uma delas passa a estar escondida, oculta, eventualmente ligada à memoria do olhar que a viu. Na verdade, a imagem está sempre em fuga, mesmo quando se encontra à frente do olhar. Dessa fuga que é também um movimento de afundamento na imagem, para cá e para lá da superfície da obra, fala inequivocamente toda a obra de Júlio Pomar e provavelmente toda a história da pintura e até da arte.

A ideia de que a imagem se escapa ou a ideia de que existe um movimento inerente à experienciação da imagem é reforçada pela natureza abstracta da imagem no caso de Sónia Almeida, pelas “formas diluídas” no caso de Menez e pela fusão entre camadas/cores no caso de Pomar. Nos três artistas, em diferentes fases das suas obras, a tinta parece coagular-se na superfície da pintura ou dos seus suportes, fazendo das formas “coisas”, tornando-as quase objectos palpáveis. A cor enquanto forma, a forma como coisa, que nunca se percebe como tal, motivou de resto a escolha de obras de Júlio Pomar que integram a exposição: Belle Isle en Mer de 1976,Fruit, Barque II, de 1977, La Nef, de 1977, Le plomb et la pierre de 1977, entre a figura e o abstracto.

É aliás a ideia de cor como elemento estruturante da pintura que, em parte, motiva a reunião destes três artistas de diferentes gerações e géneros: Sónia Almeida, Menez e Júlio Pomar.  Três pintores para quem a cor é um elemento fundador da pintura e não decorativo, ou sobreposto à posteriori.

No decurso da exposição publicar-se-á um catálogo com textos de Ricardo Nicolau e Maria Quintãs [edição do Atelier-Museu Júlio Pomar/ Documenta] e imagens das obras instaladas no espaço, e um livro com a relação epistolar de Júlio Pomar e Menez.

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